quinta-feira, 17 de julho de 2014

Recursos nem tão naturais

MARCELO MITERHOF

Livro defende que é melhor incentivar a indústria nacional a inovar em áreas como agricultura e petróleo

A busca do desenvolvimento econômico com base em recursos naturais tem se mostrado uma estratégia limitada quando se compara a América Latina com as industrializações mais bem-sucedidas da Ásia.
Há algumas explicações possíveis e não necessariamente excludentes de por que a abundância de terras férteis, petróleo ou minerais pode se mostrar disfuncional: uma tendência à apreciação cambial, que prejudica a competitividade da indústria de transformação, e o estabelecimento de uma cultura imediatista, que dificulta o adensamento tecnológico e de conhecimento nos processos produtivos.
Nesse sentido, um interessante contraponto é dado pelo livro "Recursos Naturais e Desenvolvimento", escrito pelos economistas João Furtado e Eduardo Urias e recentemente editado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Um ponto inicial é que os recursos naturais não são um simples presente da natureza, mas uma criação humana. É o progresso técnico que tanto dá utilidade ao que existe no planeta como os torna disponíveis, desenvolvendo formas de encontrá-los e extraí-los em condições que crescentemente são mais difíceis.
Evidência disso é que o EUA, país tido por Benjamin Franklin no fim do século 18 como pobre em recursos naturais, se tornou o maior produtor mundial de minério no século seguinte. A intensa exploração de seus recursos naturais no século 19 fez suas reservas crescerem substancialmente. De forma semelhante, no Brasil, o uso de pesquisas e tecnologias ajudou a criar no cerrado uma agricultura pujante.
Uma estrutura produtiva baseada em recursos naturais não precisa ser meramente rentista, calcada apenas numa eventual facilidade de sua obtenção. Há esforços de inovação e de encadeamento industriais, casos dos bens de capital e implementos agrícolas, que podem alavancar o desenvolvimento.
Ainda assim, ao longo do último século os preços dos bens intensivos em recursos naturais caíram significativamente em relação aos dos bens industrializados. Estabilizado o ritmo de urbanização na Europa e nos EUA, o crescimento nos países ricos foi ao longo do século 20 marcado por diversificação da oferta de bens e serviços, que são cada vez mais imateriais. Um carro ou um eletrodoméstico tem conteúdo de aço e plástico, porém mais valiosos são as tecnologias que carregam.
Entretanto, tal panorama mudou com a emergência da China e seus vizinhos, cujo crescimento é acompanhado de uma urbanização de escala sem precedentes.
Com isso, a China, que, por exemplo, no ano 2000 importava 70 milhões de toneladas de minério de ferro, equivalentes a 14% do comércio internacional, em 2008 deu um salto para 444 milhões, quase metade das compras externas globais. Na soja, suas compras passaram de 10 milhões de toneladas para quase 60 milhões de 2000 a 2012, saindo sua fatia no mercado de menos de um quinto para quase dois terços.
Como a urbanização asiática ainda está longe de acabar, é provável que os impulsos nos preços dos recursos naturais sejam duradouros.
É verdade que um avanço de tal proporção na taxa global de urbanização traz pressões políticas, econômicas e ambientais para melhorar a eficiência de seu uso. Porém isso é mais uma alavanca que um impedimento para o desenvolvimento de inovações e de uma estrutura produtiva baseada em recursos naturais.
A conclusão do livro é que esse é um caminho melhor que tentar enfrentar a competição dos países ricos e dos emergentes asiáticos em setores altamente dinâmicos, como microeletrônica ou química fina, ou nos intensivos em trabalho. Seria mais efetivo impulsionar a diversificada indústria brasileira para inovar e incorporar conhecimento na provisão de serviços, insumos e bens de capital para as atividades voltadas para agricultura, mineração, energias renováveis e petróleo etc.
Canadá e Austrália são exemplos de países ricos que desenvolveram dinâmicos setores em recursos naturais, incluindo uma forte base industrial exportadora.
Mas esses são países de populações reduzidas. Um país populoso como o Brasil não deveria abrir mão de ter uma estrutura industrial diversificada (e competitiva).
Ainda assim, e dando os devidos descontos por ser uma publicação setorial, o texto é proveitoso por mostrar que foco e pragmatismo --além de paciência, vale acrescentar-- são cruciais na criação de uma base empresarial inovadora. Folha, 17.07.14.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Usinas concorrentes tentam eliminar incentivo de eólicas: Câmara de comercialização e agência nacional de energia consideram que fonte já é competitiva

No Congresso, entidade de pequenas hidrelétricas trabalhou por fim de desconto para geração por vento
MACHADO DA COSTADE SÃO PAULO
Geradores de energia a partir de outras fontes renováveis estão pressionando o Congresso Nacional e outros órgãos federais para retirar incentivos à energia eólica, já que esta se tornou mais competitiva que a biomassa e pequenas centrais hidrelétricas.
O que adeptos das eólicas têm chamado de "lobby" convenceu o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) a incluir uma emenda à medida provisória 641 com o objetivo de retirar o desconto de 50% das tarifas de uso de sistemas de transmissão e distribuição.
No entanto, é na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) que cresce com mais força o entendimento de que as eólicas não precisam mais dos incentivos.
PRÓPRIAS PERNAS
Em relação aos dois órgãos, a Folha apurou que a visão é que a geração de energia elétrica a partir dos ventos se tornou tão competitiva que, mesmo sem incentivos, continuaria mais atrativa.
"Falta, na verdade, coragem para retirar o incentivo. Isso poderia representar um desgaste com o setor", disse uma pessoa ligada à CCEE.
A tentativa de mudança no Congresso aconteceu por iniciativa da Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidrelétricas (AbraPCH). No início de julho, segundo apurou a Folha, a entidade convenceu o senador Vital do Rêgo a alterar emenda do deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP).
A proposta de Jardim era estender à geração por biomassa os benefícios dados à geração eólica. Mas, depois da reunião, a proposta se transformou na retirada de todos os incentivos às eólicas.
PRESSÃO
Segundo Jardim, Rêgo fez o adendo à sua proposta sem consultá-lo. "Há um grupo de dissidentes que está pressionando o Congresso para retirar os incentivos à eólica. O que eu pedi foi apenas a extensão do benefício à biomassa, que está sem competitividade", afirmou Jardim.
A assessoria de Rêgo diz que o texto foi mudado após reunião com representantes do setor no Congresso, o que incluiria o deputado.
Um membro da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) diz que o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), precisou intervir para fazer Rêgo desistir da emenda contra o segmento.
Procurada, a presidente da Abeeólica, Élbia Melo, diz que não acredita que tal proposta passasse no plenário.
O presidente da AbraPCH, Ivo Pugnaloni, afirmou que se reuniu com os assessores legislativos de Rêgo, mas negou que tenha trabalhado contra os incentivos para a geração eólica.
"A medida, que hoje é contra as eólicas, amanhã pode ser contra nós", disse. Folha, 03.07.2014.