quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Passivo elétrico

Não é só a obra colossal da hidrelétrica de Belo Monte (PA) que se acha em atraso e, assim, ajuda a adensar a nuvem de incertezas sobre a geração de energia nos próximos anos. Ao menos outras quatro usinas menores seguem pelo mesmo caminho acidentado, a praxe no país do planejamento capenga.

Belo Monte acrescentará 11.233 megawatts (MW) nominais ao parque hidrelétrico nacional. Mesmo que se considere apenas seu fornecimento garantido (4.571 MW), a controversa usina agregará sozinha quase toda a eletricidade adicional de que o país precisa, a cada ano, para sustentar sua economia.
O prazo previsto para acionar a última turbina era 2019. A primeira delas deveria rodar já no começo de 2015, mas isso só deve acontecer um ano depois.
A concessionária Norte Energia alegou atrasos no licenciamento ambiental e interrupções imprevistas. Reivindica que se reconheçam tais intercorrências como excludentes de responsabilidade, o que desobrigaria o empreendedor de pagar pelo que deixa de entregar.
Reportagem desta quarta-feira (22) no diário "Valor Econômico", contudo, indica que os "suspeitos de sempre" --greves e questionamentos na Justiça a impactos sociais e ambientais-- afetam também o andamento de projetos menores e distantes da Amazônia. Nos quatro casos indicados, está em causa um total de 830 MW.
O exemplo mais gritante é o da hidrelétrica Baixo Iguaçu, no rio de mesmo nome no Paraná. As obras da usina de 350 MW foram sustadas há mais de quatro meses, por força de uma liminar da Justiça federal que cassou a licença ambiental de instalação do projeto.
Quase todos os trabalhadores do canteiro foram dispensados. Não se sabe quando a construção será reiniciada. Até a Unesco se envolveu, por considerar que está sob ameaça a condição de patrimônio da humanidade conferida ao Parque Nacional do Iguaçu.
Os outros três casos são os das usinas Colíder (MT), Salto Apiacás (MT) e São Roque (SC). Na Amazônia, também está atrasado o cronograma das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, respectivamente 63 e 239 dias.
O padrão, portanto, se repete em toda parte. Os prazos de construção e operação das usinas desconsideram, ao que parece, o histórico de atrasos inerentes ao arcabouço regulatório do país.
Não fosse o crescimento medíocre da economia, esse planejamento deficitário acabaria por levar o país ao limiar de novos apagões. Folha, 23.10.2014.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

"Brasil deixou pré-sal pouco competitivo", diz especialista



RAUL JUSTE LORES - DE WASHINGTON - 22/10/2014  02h01


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A Petrobras deixou o pré-sal "pouco competitivo" e está "sobrecarregada" com atribuições demais, afirma o consultor em energia David Goldwyn, que foi o enviado especial do Departamento de Estado americano para negociações em energia durante a gestão de Hillary Clinton (2009-2013).
Desde que o Brasil descobriu suas reservas, "México e o Noroeste da África descobriram as suas e estão usando modelos de exploração mais competitivos, onde o retorno dos investimentos será maior", diz.
Para Goldwyn, que dirige o Grupo Consultor em Energia do Atlantic Council, um respeitado centro de estudos, o preço do petróleo continua a cair, mesmo com a tensão no Oriente Médio por causa de demanda estagnada e de um aumento enorme da produção, especialmente nos EUA –o país caminha a ser o maior produtor mundial de petróleo. Ele recebeu a Folha em seu escritório, em Washington.
Petrobras/Bloomberg
Funcionário caminha pela plataforma da Petrobras no campo Jubarte, no Espírito Santo
Funcionário caminha pela plataforma da Petrobras no campo Jubarte, no Espírito Santo
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Folha - A Petrobras perdeu muito valor de mercado, e o leilão do pré-sal atraiu poucos concorrentes internacionais, com exceção dos chineses. O que aconteceu?
David Goldwyn - O desafio do pré-sal é ser competitivo. Ao mudar o regime fiscal, exigir muito conteúdo local e mudar as regras de operação, o Brasil deixou essa exploração muito mais cara que a exploração no México ou no noroeste da África. Os leilões do pré-sal foram decepcionantes. As empresas que queriam ir para o Brasil e que estavam interessadas agora estão olhando oportunidades em outros países.

O preço do petróleo tem caído. O pré-sal corre o risco de ficar pouco competitivo?
A obrigação de se usar muito conteúdo local aumenta muito os custos dos investimentos. A obrigação da Petrobras operar, além de ser um enorme peso administrativo para a Petrobras, prejudica a capacidade das empresas estrangeiras de gerenciarem os custos. Tudo isso atrasa prazos e tempo é dinheiro.

Tudo isso coloca o petróleo do pré-sal na curva mais alta do preço do petróleo. Quanto mais elevado o preço para produzir, mais dificuldade os projetos terão para competir com o resto do mundo. O Brasil criou um ambiente menos competitivo para o pré-sal.
Não sou otimista quanto a novos investimentos. O México está entrando no negócio do petróleo em águas profundas, com menos conteúdo nacional, estrangeiros operando, mais concorrência. O preço será melhor.
Mas, a longo prazo, o preço do barril do petróleo deve estar acima dos US$ 100 e um preço acima de US$ 80, US$ 90 deixa o petróleo do pré-sal viável. Há demanda para esse petróleo.



A China será a salvadora do pré-sal?
O Brasil parece confortável com investidores passivos que confiam totalmente na Petrobras. Nas mãos dos chineses ou de fundos soberanos, que enfrentam menos obstáculos do que empresas de capital aberto [que estão em Bolsa]. Mas, agindo assim, o Brasil renuncia a receber inovação que só vem da concorrência com operadores estrangeiros.

O que dirigiu o milagre do petróleo no Brasil foi abrir o offshore para investidores estrangeiros. A Petrobras aprendeu muito, ela não inventou a tecnologia para explorar águas profundas. Ultimamente o Brasil fechou essa abertura com suas novas políticas.
Como observador de fora, porém, admito que o Brasil impressiona pela sua flexibilidade. Vocês mudam de decisões, de curso, rapidamente, se adaptam rápido. Os EUA não são tão ágeis. Às vezes demoramos 40 anos para mudar uma política errada.

Qual a percepção internacional da Petrobras?
Uma vez perguntei a um alto funcionário do governo do Brasil se essa estratégia na Petrobras era para preservar as reservas ou promover desenvolvimento imediato e crescente, e ele me disse que era a segunda opção. Mas parece o oposto. A Petrobras está sobrecarregada.

Por quê?
Empresas eficientes fazem escolhas de portfólios. A Petrobras precisa de concorrência. Ela tem que decidir sobre muita coisa, como nunca antes. Quando você não enfrenta competição, seus custos aumentam e a eficiência diminui.

As intenções do governo eram de fortalecer a economia brasileira e maximizar a produção, com uma fonte de renda justa para o Estado brasileiro. Mas isso não foi feito de forma eficiente. Poderia ter sido feito com royalties e impostos, mas decidiram controlar a produção, o que não é o curso mais eficiente.

O colapso das empresas de Eike Batista influenciou essa má imagem do setor?
Havia preocupações de corrupção à transparência, mas elas já são descontadas em diversos países. O que houve com o Eike foi uma excessiva aposta em algo que parecia atraente. O mercado só lê o retorno dos investimentos. Antes disso, continua apostando. Quem não se lembra da [petroleira americana] Enron [que pediu recuperação judicial nos EUA em 2001, quando estourou um escândalo contábil, e deixou de existir em 2006]?


Os preços controlados da gasolina no Brasil acabaram deixando menos competitivo o álcool, e a indústria do etanol no Brasil está em queda. Ela tem chances de se recuperar?
É irônico que os EUA hoje exportem etanol de milho para o Brasil. Mas acho que faltam benefícios para o clima com o etanol de milho. O etanol de cana de açúcar produz menos intensamente CO2 e deveria ter um papel maior no mercado global. O declínio do setor por culpa dos preços de gasolina no Brasil é uma perda para o Brasil e para o mundo, porque era um setor inovador e ambicioso, e uma indústria que queria ser parceira dos EUA. Talvez eles terão que investir aqui.  


Apesar das tensões causadas pela milícia Estado Islâmico e da turbulência no Oriente Médio, o preço do petróleo está caindo. Por quê?
Os EUA tiveram um fenomenal crescimento na produção de petróleo, de 3 milhões de barris diários a mais nos últimos quatro anos. Só a Arábia Saudita uma vez em toda sua história teve uma alta assim. Acrescentaremos um milhão de barris diários a essa produção no ano que vem.

Os países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) têm produzido sem parar, o Canadá está produzindo mais, e a Líbia cresceu muito este ano. Tudo isso compensa as interrupções no Iraque, no Sudão, a produção menor na Venezuela e o Irã sob sanções. Com a Europa estagnada e a China desacelerando, a demanda não consegue empurrar os preços para cima.

A Arábia Saudita tampouco reduziu a produção. Por quê?
A sabedoria convencional sugeriria que a Arábia Saudita deveria cortar a produção para manter os preços, mas ela não tem muito interesse em aumentar o orçamento para exploração no Iraque ou no Irã e quer manter sua cota de mercado, renunciando a um aumento do preço do petróleo. De qualquer maneira, o preço internacional pode subir ou baixar entre US$ 20 a US$ 30 por mudanças para bem ou para o mal no Iraque, Irã, no Sudão, na Venezuela e em mais alguns poucos países.


Há escassez de água em diversos Estados americanos, e o uso da fraturação hidráulica para explorar gás e petróleo gasta muita água, além de contaminá-la, segundo boa parte dos especialistas. Isso não será uma barreira para a sua exploração?
A falta de água é um assunto importante, mas a indústria está se adaptando, usando cada vez mais água salgada e reciclando água, onde ela é mais necessária como no Texas ou em Oklahoma. Mas a maior barreira para essa indústria é preços baixos e pouca demanda, que não deixem economicamente viável o negócio.

A Argentina tem reservas muito mais extensas de gás que o Brasil. Ela pode se tornar uma potência na área?
O gás é um recurso suficientemente atraente para levar investimentos, mesmo que na história argentina nada sugira que seja um lugar confiável a longo prazo. Mas empresas petrolíferas tomam riscos, e o sucesso da Argentina vai depender do regime de impostos, se vão permitir exportações, se haverá preço de mercado e se você vai poder tirar o dinheiro que investir lá. Mas é um país volátil, de alto risco.


Com os preços de petróleo e gás em queda, energias renováveis como a solar e a eólica têm chance de se tornar competitivas no futuro próximo?
A energia solar está fazendo muitos avanços, a tecnologia se desenvolve rapidamente e tem mais financiamento. Um nicho que não para de crescer é o leasing de energia solar para consumidores domésticos. Por enquanto, a solar está crescendo mais que a eólica. 
Folha, 22.10.2014.

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